A Peleja do Maguinho da Paraíba contra o Bando dos Sete
(PARTE I)
O HERÓI
Passando Itapororoca
Por trás de Camalaú
Pertinho de Coxixola
Voltando de Mulungu
No rumo de Catolé
Rodando lá por Sumé
Jacarapé e Juru
Descendo por Caaporã
Subindo por Cuitegi
Cruzando Puxinanã
E São João do Cariri
Juntinho de Mataraca
Beirando Pedra Lavrada
Já perto de Araçagi
Se encontra uma Serra Magra
Num pedaço bom de chão
Com água e comida farta
Cercada por plantação
Mas quase desocupada
Pois só um homem trabalha
Por esse vasto torrão
Chamado desde menino
Maguinho da Paraíba
Correto no seu caminho
Com a graça de Deus vivia
Cuidando de sua terra
Plantando na conta certa
Comendo do que colhia
Foi a mãe, mulher guerreira
Quem teve que lhe criar
O pai perdeu-se na feira
Ninguém conseguiu achar
Uns dizem que foi sumiço
Mas há quem tenha lhe visto
Morando noutro lugar...
A pobre mulher, porém
Lutou o quanto podia
Pois sua grande alegria
Foi sempre fazer o bem
Criou o filho no jeito:
Um homem honesto e direito
A quem respeito convém
Por isso foi escolhido
Com acerto e precisão
De acordo com Padre Ciço
E também por Lampião
Pois só por um Mago assim
Podia o Nordeste, enfim,
Sair dessa condição!
APARIÇÃO
Vivia na sua casa
Cuidando da criação
Tinha 22 cabras
Uma vaca e um leitão
Porém do que mais gostava
Não era um bicho de raça
Com marra de campeão
Seu bicho mais predileto
Era o bode Bonifácio
Que tinha jeito de esperto,
Mas era meio abestado:
Passava o dia roncando
Mijava por todo canto
Mas sempre foi comportado!
E assim seguia a vida
No seu passo sossegado
Até que, um belo dia,
Um encontro inesperado
Mudou da água pro vinho
O plano que o Maguinho
Achou que tinha traçado:
Enquanto beijava a cruz
Após a sua oração
Desceu, num facho de luz
Aberto na imensidão
Ao toque de mil trombetas
Com sua batina preta
O Padre Ciço Romão!
Nessa mesma ocasião
Pertinho de onde estava
A terra foi chacoalhada
Por uma grande explosão!
E por uma labareda,
Saída das profundezas
Quem veio foi Lampião!
CONVOCAÇÃO
Embora muito espantado
O Maguinho quis saber:
“Que visitação é essa
Que vieram me fazer?
Pois deve ter um motivo
Pra quem já tenha morrido
De um vivo querer saber!”
Não tinham se decidido
Qual dos dois ia falar
Então veio Padre Ciço
Querendo se adiantar
E começou o sermão
Com sua voz de ancião
Pois não podia esperar:
“— Não estamos de visita
Mas numa convocação
Maguinho, você precisa
Acolher essa missão:
Que é sobre o Bando dos Sete
Que aterroriza o Nordeste
Do litoral ao sertão
Foram a mim com tanta reza
Que não aguentava mais!
O povo pedindo trégua
Querendo um pouco de paz
Por isso falei com o Cão
E liberei Lampião
Pra ver o que a gente faz.”
O BANDO
Com o bode entre os dois
Debaixo de um juazeiro
Passaram a falar do bando
O Santo e o Cangaceiro.
Foi mais ou menos assim,
Segundo disseram a mim,
Que o Mago ouviu do primeiro:
DIABO COXO
Tinha um da cara lesa
Por alcunha Diabo Coxo
Que puxava duma perna
E tinha o juízo frouxo
Matava por quase nada:
Se tava triste matava
Se não, matava de novo!
Diabo Coxo era pequeno
Mas um poço de ruindade
Com tanto ódio e veneno
Que até hoje não se sabe
Como é que num coração
Vazio de compaixão
cabia tanta maldade!
O coxo nada valia
Mas era cobra criada
O couro cru da chibata
O fel da bexiga-lixa
O triste da badalada
A quenga que foi cruzada
Com a besta-fera e deu cria!
A brasa do meio-dia
A clara do ovo goro
O guizo da jararaca
Ou, como dizia o povo,
Em sua fala acertada:
Assim é que Deus marcava
Quem só lhe dava desgosto!
SERRA GRANDE
O mais velho era um mulato
Com dez palmos de largura
Os peitos avantajados
E quatro metros de altura
De Serra Grande chamado
Ganhava até de cavalo
Em matéria de grossura.
Só era de beber água
Quando não achava pinga
E quando vinha a ressaca
De cara já resolvia:
Bebendo café torrado,
Moído e também coado
Na sua própria virilha!
Não valia de pequeno
Nem o “cuspo” dum leproso
E com o correr do tempo
Foi ficando mais raivoso
A todos desacatando
Nem a família escapando
De seu instinto maldoso:
Se contente amanhecia
Dava uns tapas na avó
Se a mãe lhe repreendia
Tomava chá de cipó
E o pai não dizia nada
Senão também apanhava
Até o couro dar nó!
O que tinha de largura
Faltava em educação
No gesto, na compostura
Na hora da refeição
Em tudo que praticasse
Não tinha quem lhe apontasse
Sequer uma boa ação...
MARIANÃO
Há quem diga que não viu
Há quem viu, e ainda negue
Há quem diga que mentiu
Quem disse que não conhece
A história de um tal “fulano”
Que mesmo formando o bando
Vendia gato por lebre...
Atendia por “Maria”
Conforme lhe batizou
Desde antes de nascida
A mãe, o pai e o avô
Mas logo mudou o jeito
Achando que era um defeito
Ser como Deus lhe criou
E quando se arretou
Resolveu trocar de nome
Fazendo o que muito homem
Valente jamais tentou
E foi desgraceira tanta
Que logo fez sua fama
De crueldade e terror
Quem viu, até hoje sabe
Que essa estranha criatura
Em matéria de feiura
Não tinha quem superasse
Por isso não existia
Em todo canto que ia
Espelho que não quebrasse
Tinha as “perna” cabeluda
Os “braço” de estivador
A venta duma coruja
O ronco de um trator
Mais feia que um trem virado
Fedia mais que o sovaco
De quem jamais se banhou!
Mas o que mais lhe doía
Era a falta de um culhão
Que todo homem trazia
Desde a sua aparição
No mundo que Deus criou
E desde sempre mostrou
Que Eva não era Adão
Foi por isso que o sertão
Ficou tão desesperado
Pois tudo quanto era macho
Correu de Marianão:
Pra não perder a chibata
Que ela sempre cortava
Sem dó e sem compaixão.
SUSANO PAPO MANSO
O terceiro era metido
A doutor e sabichão
Versado em filosofagem
Mestre em filosofação
Perito em filosofismo
Teórico do enganismo
E mago da enrolação
Formado na faculdade
De trapaça avançada
Diplomado em safadagem
Com título de canalha
Vivia a falar difícil
Pra pouco ser entendido
Pois isso pouco importava!
Dizia que, num tratado
Que jurava ter escrito,
Os segredos mais antigos
já tinha solucionado:
Por que todo penso é torto;
Ouvido de surdo é môco;
E todo mudo é calado?
Tinha barba de muquifo
Que ele nunca cortava
Do queixo tão esticada
Que chegava no umbigo
Também nunca se banhava
Porque dizia que a água
Levava embora o juízo
Pra todo canto que ia
Vivia coçando a barba
Pois dentro dela guardava
A fauna de sua estima
Tratada com muito zelo
Comendo grude e cabelo
Com todo tipo de cria:
Barata, lagarta, cobra
Lacraia e escorpião
Lombriga, rato e minhoca
Piolho, traça e pulgão
Aranha caranguejeira
Potó, mosca varejeira
E até cavalo do cão!
Pois essa era sua arma
Secreta de fazer mal:
Mandar essa bicharada
De jeito infame e brutal
Comer de dentro pra fora
Quem lhe botasse na roda
Ou lhe tirasse a moral.
CURURU
Cururu era a alcunha
Do próximo bandoleiro
Pois sua triste figura
Lembrava o sapo brejeiro
Porém, nada de inocente
Falavam desse descrente
Afamado arruaceiro
O bicho era um gordo feio
Ensebado e suarento
Desalmado e preguiçoso
Que tudo fazia lento
Por isso matava manso
Pra ver o tempo passando
Aproveitando o momento...
A todo instante comia
E a boca nunca lavava
Cuspia sempre na cara
De quem não lhe obedecia
E quem sentia o seu bafo
Perdia logo o traçado
De tanto que ele fedia
Só falavam em segredo
Da sua imensa gordura
Pois sempre tiveram medo
De sua descompostura
Que toda porta quebrava
E nem porteira se achava
Que lhe coubesse a largura
Sobre esse desgraçado
Não há muito o que falar
Basta o que já foi falado
Pra poder imaginar
Que toda sua maldade
Não era nem a metade
Do que podia pesar.
“NOVE DEDO”
Outro era comunista
Ateu e estuprador
Se orgulhava das donzelas
Cuja vida desgraçou
Sabido por “Nove dedo”
Era o exemplo perfeito
De quem jamais trabalhou!
Era doido por dinheiro
Sonhava ter muito gado
Ser um rico fazendeiro
Com terra pra todo lado
Passar o dia dormindo
Sonhando com o mindinho
Que um dia lhe foi cortado
Era a besta desgarrada
Segundo o povo dizia
No brejo matou um padre
Engasgado com farinha
Um cabo lá em Sumé
E um ancião em Sapé
Somente porque tossia
Um vereador no Crato
Um vendeiro em Caicó
Que não lhe vendeu fiado
E uma surra de cipó
Numa “véia” rapariga
Somente porque a dormida
Lhe negou em Cabrobó
Aos honestos perseguia
Aos de bem fazia o mal
Iludia criancinhas
E qual líder sindical
Roubava e não dividia
Chamando o mal que fazia
De “justiça social”.
Revezando essas falas
Cada um na sua vez
Do jeito que aqui mostrei
Sem mudar uma palavra
O Padre e o Capitão
Seguiram com a descrição
Do derradeiro canalha...
O CHEFE - WALDISGLEYSON
Waldisgleyson era o nome
Do grande chefe do bando
Mais uma prova do quanto
Pobre adora se mostrar:
Não basta parir a cria
Lhe põe um nome de pia
Que mal consegue falar!
Mas desse mal de família
Não somente ele sofreu
Pois todas as outras crias
Um nome assim recebeu:
Uma mistura danada
De letra mal encangada
Que sua mãe escolheu
Foram quatro filhos machos
E quatro fêmeas paridas
Chamadas de Waldineyde,
Waldirene e Waldirina
A última, Waldislayne
Morreu por causa da fome
Com pouco tempo de vida.
Chuarzenegue, Ixtalone
E Vandame, seus irmãos
Cada um mais aloprado
Desdentado e vacilão
Jamais na vida plantaram
Colheram, nem capinaram
Sequer o mato do oitão
Mas sendo tão diferente
De toda essa cabruêra
Alguma esperança havia
Que dentro de suas veias
Alguma coisa trouxesse
Pra que um dia pudesse
Gozar de uma vida ordeira
Indigente não virou
Mas mesmo muito sabido
Renegou como destino
Ser padre ou, talvez, doutor
Em vez disso “progrediu”
Nas profissões que seguiu
De agiota a gigolô
Depois virou matador
Por dinheiro e por prazer
Pois não tinha o que fazer
Até que desencantou
E foi matando de graça
Fazendo valer na praça
Seu nome de malfeitor
Por isso, sempre que entrava
Em alguma casa santa
Tirava logo a esperança
De quem por ali rezava
Tocava fogo nos “santo”
E os filhos que ia achando
Na frente dos pais matava!
E esse foi o traçado
Que fez essa besta-fera
Marcando de légua em légua
Seu nome malafamado
Até que acabou formando
Com outros seis esse bando
De sete “caba safado”!
CONTRATO
Lampião e Padre Ciço
Sem pular nenhuma parte
Disseram toda verdade
Do bando que estava vindo
Mas isso só aumentava
O ódio dessa bandalha
Que aperreava o Maguinho!
“— Onde é que tão agora?”
— O Maguinho perguntou.
E Lampião, sem demora,
Ligeiro lhe respostou:
“— O bando vem de Sergipe
E um coiteiro me disse
Que perto daqui pousou.”
“— Mas com tanto cabra macho
Espalhado por aí
Como é que um sujeito fraco
Como eu posso servir;
Se nunca em arma peguei
Medalha nunca ganhei
Nem uma farda vesti?”
“— O mundo virou um circo!”
— Falou em tom de sermão
O Padre Ciço Romão
Com olhar entristecido:
“— Pois onde não há moral
Ninguém reconhece o mal
E tudo acaba invertido!
“Procuremo” em toda parte
Por aqui, por acolá
Mas um homem de verdade
Tá muito difícil achar:
Metade virou baitola
E a outra metade chora
Se a mãe não der de mamar!”
A família se acabou
Ninguém preza mais ninguém
Até o que é mal e bem
O homem já misturou.
Na escola hoje se ensina
Menino a virar menina
Zombando do Criador!
Libertino filosofa
Com fama de sabedor
Quem preza as coisas de outrora
Por mau e conservador
É visto por quem apoia
Pedofilia e debocha
Das leis de Nosso Senhor
Hoje em dia criminoso
Tem a vida garantida
Mata, rouba e quando é solto
Vai formar nova quadrilha
E a polícia, se trabalha,
prendendo e descendo a vara
É quem acaba prendida!”
Terminado o raciocínio
De Padre Ciço Romão
Foi a vez de Virgulino
Marcar sua posição.
Por isso já foi falando,
E meio que lamentando,
Pois era homem de ação:
“— A sorte dessa cambada
É que já não sou vivente
Senão um por um sangrava
Como era antigamente
Mas hoje não vale nada
Ser homem que não se cala
E bota a faca nos “dente”!”
“— Capitão, não se preocupe
É certo que lhe ajudo
Não quero que a Paraíba
Receba esse bando sujo
Vou proteger sua gente
Mostrando que esses descrentes
Não passam de Pernambuco!”
“— Agradeço sua ajuda
Respeito sua coragem
Um sertanejo não dura
Sem ser homem de verdade
Mas, ouça bem minha voz:
Nessa disputa feroz
Não basta só ter vontade.
Por isso, Mago valente,
Escute com atenção
Que a hora da precisão
Não tarda muito a chegar
E as armas que vão servir
Pra luta que há de vir
Agora vamos mostrar.”
Assim disse Virgulino
E o Padrinho concordou
E quando as mãos apertaram
O Mago logo enxergou
Que tinha sido firmado
O mais perfeito contrato
Que alguém no mundo firmou!