AS ARMAS ENCANTADAS
O BACAMARTE DE PRINCESA
“– Peguei dum bacamarteiro
Por nome de Manuel
Esse velho bacamarte
Em Princesa Isabel
Estando lá em missão
Levando com as próprias mãos
Esse valente pro Céu
Ele já tinha lutado
Na velha revolução
Contava mais de 100 anos
Mas não desarmava o cão
Porque quando o cabra é macho
Não é de mandar recado:
resolve logo a questão!
Por isso, quando foi dito
Que o bando estava chegando
Os moços bateram o pino
E o velho foi se aprontando
E quando o bando chegou
Com tanto zelo enfrentou
Até que morreu lutando!
Assim que peguei do dono
Passei pro meu afilhado
(Que não fica bem “prum” santo
Andar por aí armado...)
Pra ele trocar as “bala”
E tudo quanto é desgraça
Sair em cada disparo
Por isso sete cartuchos
Com ela vamos lhe dar
Um pra cada vagabundo
Que você tem que matar
Composto de sete partes
Que em nenhum bacamarte
Do mundo se pode achar:
Água benta com enxofre
Do inferno misturada
O bafo do Capiroto
O ronco da trovoada
Cem brigas de casamento
O coice de mil jumento
E a “bufa” de dez catraia!”
O CHOCALHO DO BOI GREGO
“— Muita gente quis saber
Donde veio esse chocalho
Se era de um touro manso
Se era de um touro brabo
Se foi de um touro perdido
Que muito bateu o sino
Lutando pra ser achado.
Se medo já provocou
Em criança muito arteira
Porque tinha a cara preta
Ou branca, ninguém falou.
Nem eu, porque nunca vi,
Mas soube que por aqui
Um bicho assim já passou...
Chamado de Minotauro
Depois de tomar cachaça
Perdeu-se no labirinto
Que lhe deram de morada
E quando veio dar fé
Já tinha botado o pé
Bem longe de sua casa!
Ficou tão desesperado
Sem reparo nem aprumo
que logo perdeu o rumo
e se embrenhou pelo mato
até que de queda em queda
subindo e descendo serra
ficou todo estrupiado!
Sofria nessa agonia
Perdido no “mei” do mato
Quando uma visão divina
Lhe deixou maravilhado:
Pois ele avistou Jeitosa
A vaca mais valorosa
Dum fazendeiro abastado!
E logo à primeira vista
Esse amor já floresceu
Pois todas suas feridas
Com carinho ela lambeu
Os dois se apaixonaram
E muitos anos pastaram
Até que ela morreu!
Minotauro implorou
A tudo quanto era deus
Porém nenhum devolveu
Aquela que tanto amou
Por isso, que esse chocalho,
Tem o mugido guardado
De quem perdeu seu amor!
Esse grito pavoroso
Por nenhum outro abafado
Carrega todo desgosto
Dum peito contrariado
Porque não há dor maior
Do que não ter ao redor
Quem mais nos é estimado!
O que faz esse chocalho
Não digo porque não sei
Mas pelo que lhe contei
É bom que tenha cuidado
Que a força de um coração
Bravio como um trovão
Tem dentro dele guardado.”
Assim disse Padre Ciço
Lhe dando o nobre chocalho
Forjado em cobre maciço
E um poderoso badalo
Que pra ouvir Lampião
Foi logo em seu matulão
Pelo Maguinho guardado.
O CHICOTE DE TRIUNFO
“— Das alturas de Triunfo
Onde o frio faz morada
Nós trouxemos essa arma
Batizada em Pernambuco.
Trançada com alegria
A fim de levar folia
Pra todo canto do mundo!
Mas agora é o momento
De sua função mudar
Fazendo se ajoelhar
Aquele bando nojento
Por isso foi que um careta
Sabendo dessa peleja
Me passou esse instrumento:
Um chicote endiabrado
Forjado de couro cru
Banhado no Pajeú
Pra ficar mais arroxado
E quando for pro serviço
Deixar o bando muído
De tanto ser castigado
Pra ficar mais invocado
Botei nele a agonia
De todo cabra safado
Que dentro do inferno havia
Assando em sua fornalha
Que é onde todo canalha
Acaba parando um dia!
O estalo desse bicho
É capaz de desfazer
Até o maior ser vivo
Que o homem já viu nascer
Pois roda igual furacão
E quando rebenta o chão
Faz todo canto tremer!
Tem nele a força do vento
E a maldade vingadora
A frieza do sereno
E a justiça predadora
Seu cabo é bom de pegar
E onde o bicho rodar
Não fica um pé de pessoa!”
A BALEADEIRA INVOCADA
Depois de ter dito aquilo
Lampião deu o presente
E o Mago de tão contente
Com mais esse benefício
Lhe agradeceu a lição
Mas já prestando atenção
À fala de padre Ciço:
“— Dum galho de goiabeira
Do quintal que era de Adão
Ao lado da macieira
Donde veio a tentação
Foi feita essa baladeira
De mira aguda e certeira
Que sempre acerta o ferrão
Pois tudo que nada vale
Seu gosto já conheceu:
De arruaceiro covarde
Tarado, agiota, ateu
Chifrudo, cabra safado
Ladrão e até filho ingrato
Que à mãe só desgosto deu
Com ela não tem sujeito
Famoso ou desconhecido
Que ache seu paradeiro
Se for por ela atingido.
E quem escapou do coice
Garante que, até hoje,
Ainda ouve um zumbido!
Se não foge da lapada
Já sabe que vai morrer
Pois quando vem a pedrada
Não tem como se esconder
Nem ver se encontra pomada,
Vacina ou água gelada,
Que nada vai resolver
Assim, pode ter certeza
Que usando bem essa arma
Bandido nenhum lhe escapa
Na hora da tal peleja
Pois isso num é bodoque
É a mão esquerda da morte
Virada em baleadeira!”
O FUNIL QUE “DESENCHE”
Lampião tomou a frente
Com bravura e altivez
E outra arma encantada
Do nada, logo se fez
O Mago não perguntava
Mas do seu canto pensava:
O que será dessa vez?
Pensou numa faca longa
Pra sangrar o inimigo.
Uma arma de coronha
De marfim, cano comprido
E mira bem calibrada
Mas viu, quando foi mostrada,
Que não era nada disso:
“— Pegue aqui esse funil
Mas tenha muito cuidado
Pois ele quem produziu
Foi o próprio Excumungado
Por ele não passa nada
Mas tudo logo se escapa
De onde for colocado.
Só seca o que tiver cheio
Não enche o que tá vazio
Por homem nenhum foi feito
Conforme já tinha dito
E nem peça de encomenda
Ou vá atrás de quem venda
Por esse sertão bravio!
Do jeito que um funil
Serve pra fazer medida
De bebida ou querosene
Em qualquer mercearia
Esse bicho só “desenche”
Por isso, nada se prende
No canto que ele se enfia.
Só use com muito jeito
Confio em sua atenção
Pois como veio do Cão
O estrago que faz é feio!
Embora só preste assim:
Pra corno e cabra ruim
Qualquer castigo é bem feito!”
O PIÃO DE SUCUPIRA
Padre Ciço lhe entregou
Um pião de sucupira
Com a ponta mais brilhante
Que uma pedra de safira
Afiada e furadeira
Mais uma linda ponteira
Com três varas de comprida
“— Tome aqui esse pião
Nele pode confiar
Nunca há de lhe faltar
Na hora da precisão!
Pois roda ligeiro e fura
Certeiro igual uma pua
No meio da arengação!
Foi da lança de São Jorge
A ponta que ele carrega
É fixe igual uma pedra
Pois sua madeira é nobre
Cupim aqui não mastiga
E se ele entrar numa briga
Ninguém escapa da morte!”
Lampião foi novamente
Depois de mais essa arma
Decidido como sempre
E firme na sua fala
Mostrando todo contente
O derradeiro presente
Que pro Maguinho guardava...
O GIBÃO “DESVIADOR”
“— Sua arma derradeira
Vem na forma de um gibão
Forjado com a destreza
De quem veste a profissão.
Tivesse um desse comigo
Por certo inda tava vivo
Andando pelo sertão!
Duro feito diamante
Que brota na gruta funda
Cunhado na força bruta
Pra nunca passar vexame
Nasceu dum leão bravio
Nascido e também crescido
Num povoado distante
Pois foi nessa terra ingrata
Que um cabra arrochado
De Herculano chamado
Calou a fera malvada
Depois lhe arrancou o couro
Que era tão duro e grosso
Que nada lhe atravessava
Mas ele, metendo a unha
Nem a juba descontou
E depois dessa aventura
Mais ainda se empenhou
Pois outros onze trabalhos
Conforme foi registrado
Com zelo realizou!
Esse couro foi lavado
Ainda num certo rio
Que o cabra nunca é vencido
Se nele for mergulhado
Foi nele que um galeguinho
Chamado de Aquilino
Por sua mãe foi banhado
E não fosse uma besteira
Na hora de lhe banhar
É certo que o calcanhar
Não ia lhe dar rasteira
E esse cabra arrochado
Jamais ia ser parado
Por uma flecha certeira!
Só sei que, por derradeiro,
Esse couro de leão
Acabou na nossa mão
Por causa de um curteiro
Que tinha medo da sogra
Devia a “dez agiota”
E trabalhava em Salgueiro
Esse habilidoso artista
Em moldar couro de boi
Com pouco tempo depois
Já tinha a peça curtida
A fim de ter proteção
De tudo quanto é dragão
Que lhe azucrinava a vida!
É duro como uma pedra
A arma que estou lhe dando
Pois ela nada atravessa
E quando estiver usando
Ainda vai reparar
Que tudo que lhe acertar
No fim acaba voltando...
De um tudo já passou
Por ele e foi desviado
Por isso que ele é chamado
De “gibão desviador”
Fazendo por merecer
A fama que viu nascer
Por onde ele já andou
Depois disso Padre Ciço
Terminou as “instrução”
Das “arma” do outro mundo
Que ele, mais Lampião
Trouxeram pra ajudar
O Mago a se preparar
Pra sua grande missão.
PARTIDA
Depois de juntar “as arma”
No seu velho matulão
O Maguinho ainda estava
Com medo da danação
Porque no fundo sabia
Que pra vencer não podia
Ter dó e nem compaixão
Muito sangue ia correr
E cabeça ia rolar
Muita arma disparar
E muito cabra morrer
Por isso estava a pensar:
Se não iria botar
A sua alma a perder...
O dono do Juazeiro
De novo tomou a fala
E com o mesmo desvelo
De quando ainda pregava
Abriu um leve sorriso
Se dirigindo ao Maguinho
Com estas simples palavras:
“— De tudo que anda ou nada
Que voa ou até rasteja
Pode a vida ser tirada
Sem faltar com a nobreza
Mas só se for pra comer
Pois não se pode fazer
Somente por malvadeza
Mas existe uma certeza
Que só vale pra um ser
Que anda, nada e rasteja
E até voa sem saber
A esse pode matar
Pois não se deve chorar
Por quem merece morrer
Eu falo do ser humano
Bicho homem, sim senhor
Que mal estava falando
Depois que Deus o criou
Abocanhou a maçã
Se amasiou com Satã
E nunca mais se soltou!
A esse, pra não morrer
Caso tente lhe matar
Ou então pra defender
Um fraco que ele atacar
Você não tem que pedir
Perdão a Deus ou a mim
Na hora de lhe acabar!
Porque isso é morte justa
Em nome do que é correto
Segundo a velha disputa
Do errado contra o certo
Que só se pode vencer
Fazendo o mal aprender
O rumo do cemitério
Por isso, sua conduta
Não tem nada de errado
Pois você é um soldado
Do Bem nessa grande luta
Em nome de quem, ainda,
Na glória de Deus confia
Sem descuidar da bravura!”
Desse jeito convencido
Pela voz do pregador
De que estava protegido
Por Deus e Nosso Senhor
Jesus Cristo, a Lampião
E ao Padre Ciço Romão
O Mago assim declarou:
“— Aceito suas ofertas
Com elas hei de fazer
O mal se curvar ao bem
Do jeito que deve ser
Agora devo ir pra Serra
Mas como são muitas léguas
Não sei o que vou fazer...”
Padre Ciço então virou
A bengala, com capricho,
Pro lado de Bonifácio
Que ali estava dormindo.
O bode então se tremeu
E num instante se deu
Mais um milagre divino:
Pois desceu, sem dizer nada,
Do Céu um anjo dourado
Que ao bode deu suas asas
Conforme lhe foi mandado.
O bode se olhou descrente,
Mas tão bonito e contente
Que quase disse “obrigado”!
E assim, bem amontado
Pegando a trilha do sul
Ligeiro feito urubu
No lombo de Bonifácio
O Mago chegou na Serra
Que pelo talhe não nega:
Que é capital do xaxado!
CHEGADA
Bonifácio aterrou
Bem na praça da matriz
E depois que reparou
Do coreto ao chafariz
O Mago ficou cismado
Pois já pressentia o rastro
Daquele bando infeliz
O povo trancou-se em casa
O padre esqueceu da missa
O vento sequer ventava
Nem pé de capim crescia
O dia tava tão manso
Que até um “cuspo” secando
No chão da praça se ouvia...
Mas não demorou também
Pro bando se apresentar
Seguindo sem se importar
Com nada nem com ninguém
Cada qual na montaria
Que quando o casco batia
Zunia mais do que um trem.
O bando famigerado
Era a mais crua visão
De cabra amaldiçoado
Que correu pelo sertão.
Juntasse os sete “covarde”
Com toda sua maldade
Que não valia um tostão!
Quando viram aquele cabra
Com as “perna” de cambito
Comprido feito uma vara
Chupado feito um sibito
Pensaram que era um cajado
Ou uma cobra de lado
tentando virar palito
Pra`quilo virar um laço
Bastava somente um nó
Pra se ver como um cipó
Somente ser pendurado
Mas tava mais prum calunga
Ou um boneco de Judas
Em dia santo malhado
Mas as rédeas seguraram
Pois algo muito esquisito
Naquele cabra sozinho
O Chefe tinha notado:
Pois só trazia na mão
Apenas um matulão
De couro mal remendado
Retirando seu chapéu
Em sinal de educação
O herói desse cordel
Honrando sua missão
Pediu com essas palavras
Ao bando, que só olhava
Querendo uma explicação:
“— De Maguinho sou chamado
Já conheço suas graças
E vim lá do meu roçado
Pedir pelas cinco chagas
De Cristo, que sem fazer
Zoada e nem fuzuê
Se vão de Serra Talhada.”
Tirando só Waldisgleyson
Que logo desconfiou
O resto do bando inteiro
Riu tanto que se engasgou:
Como é que um Mago ruído
Vem dar uma de enxerido
Prum bando de matador?
Sem saber o que fazer,
Entender ou esperar
Montado na própria fama
O chefe pôs-se a falar
Zombando do desgraçado
Que há pouco tinha falado
Pro bando não atacar:
“— Pensei que Serra Talhada
Pela sua tradição
Fosse me enfrentar à bala
Ou trazer um batalhão
Mas vejo que foi-se o tempo!
E agora somente um guenzo
Lhe serve de proteção!”
“— Não se engane com boato”
— Disse o Mago sem demora —
“Pois quem vê só o buraco
Não sabe se ali tem cobra
Até lhe meter a mão
Mas essa grande lição
Eu vou lhe ensinar agora...”